08 junho 2008

Excertos do livro" O Grande Branco", por Luís Calçudo

“(...) E depois, a luz do sol alterou-se, ficou tudo branco-amarelado e branco-amarelado era a única cor que existia. Nesses primeiros tempos, era difícil distinguir objectos e às vezes chocávamos contra as paredes e uns com os outros. Passadas algumas semanas, aprendemos a distinguir as diferentes tonalidades entre o branco e o amarelo e a nossa vida tornou-se mais fácil. Só que o Mundo transformou-se numa autêntica torre de Babel, porque haviam nomes infinitos para cada uma dessas diferentes tonalidades. E por isso, os Governos implementaram nomes oficiais para esses tons, que todos tinham de usar para evitar mal-entendidos. (...) Esta grande mudança foi acompanhada de outras que pareciam de menor importância, mas que afectaram as nossas vidas de modo profundo. Quando estudei biologia, aprendi que a Natureza é diversa e que nós, que somos parte da Natureza, geralmente apreciamos a diversidade. É por isso que viajamos para outros locais, que gostamos de oásis para quebrar a monotonia dos desertos, que vamos a restaurantes experimentar ementas que não conhecemos. (...) Depois do Grande Branco, foi como se a modificação da luz ditasse uma redução de toda a diversidade. Talvez as plantas fizessem a fotossíntese de maneira mais limitada e isso alterasse tudo o resto, não sei. Aliás, a comida deixou de ter os diferentes sabores que eu conhecia. Alguns vegetais passaram a ter sabores semelhantes e tornou-se difícil distinguir os diferentes tipos de carne e peixe. Os sons também passaram a ser mais iguais. (...) Os músicos chegaram à conclusão que todos os sons existentes estavam entre Lá e Dó sustenido e que todo o intervalo de notas entre Ré e Sol Sustenido tinha desaparecido. (...) Na nova escala musical, que foi criada para obviar o problema de redução de notas, o intervalo mais pequeno foi reduzido de meio tom para um quarto de tom, passando a haver meios sustenidos e meios bemóis. Depois de nos habituarmos a distinguir os quartos de tom, que davam um travo Oriental à música que ouvíamos, ficámos com a ilusão de que a nova escala era tão diversa como a antiga, apesar de sabermos que não era assim. (...) As novas gerações, que nunca conheceram outra realidade, têm dificuldades em perceber-nos quando falamos da riqueza do Mundo Antigo. (...) Para eles, o azul é o branco-azulado e presumo que daqui a algumas gerações, apenas os historiadores saibam que outrora existiu um Mundo mais diverso que se extinguiu, como os dinossauros na Pré-História. (...) Às vezes, pergunto-me se isto não terá acontecido antes, se o azul que conheci e de que tenho tantas saudades não seria já um branco-azulado dos meus antepassados (...).