27 junho 2008

Este mundo de que vos quero agora falar...

... é muito parecido com o nosso, à excepção de apenas um detalhe: todo o transporte terrestre se faz em veículos que circulam sobre carris, desde os grandes transportes colectivos parecidos com os nossos comboios, até aos minúsculos transportes individuais de duas pessoas, dos quais o ponto de referência mais próximo são os eléctricos da nossa cidade. Naquela terra estranha, existem carris a perder de vista, com milhares de intersecções que vão dar a todos os destinos, e em cima destes circulam também os mais inverosímeis dos veículos: ambulâncias, carros de bombeiros, misturadoras de cimento, etc. Por exemplo, os agricultores que queriam utilizar uma debulhadora mecanizada para colher os seus cereais, instalam linhas de carris nos seus campos agrícolas como se fosse a coisa mais natural do mundo, não concebendo sequer a ideia de utilizar um veículo com rodas que pudesse andar sem carris. Mais surpreendente do que isto foi assistir a uma perseguição a alta velocidade entre um pequeno eléctrico da polícia e outro pequeno eléctrico de ladrões que tinham assaltado um banco...

Depois de alguns meses neste mundo, fui falar com um inventor que seguiu as minhas sugestões e criou uma espécie de triciclo rudimentar, que se movia a pedais e sem assentar em carris. Todos vieram ver este invento revolucionário, havendo desde logo numerosos detractores que acharam que não era possível ou sequer desejável que um meio de transporte não utilizasse carris. O inventor repetia incansavelmente as vantagens de uma locomoção livre e em breve passou a demonstrá-las na prática, circulando no seu triciclo pelas ruas mais movimentadas da sua cidade. Numa inesperada reviravolta do destino, o inventor foi violentamente atropelado por um comboio de cinquenta passageiros, morrendo instantaneamente. A partir daí, todos os habitantes ficaram convencidos que este tipo de transporte era muito perigoso e, portanto, não se voltou a ouvir falar desta invenção. Eu acabei por abandonar aquela terra maldita, com uma inevitável sensação de culpa pela morte do inventor. Quando se dissipou o peso daquela tragédia, imaginava muitas vezes o que teria acontecido se aquilo não tivesse acontecido e como a evolução da história dos transportes de um mundo pode estar tão dependente de um acidente, mas a verdade é que a vida, tal como a conhecemos, não é mais do que um conjunto de acasos...