28 julho 2008

As histórias por detrás da História

Uma parte do meu trabalho no doutoramento, que ainda estou a finalizar, tinha o objectivo de reconstituir a história das Áreas Protegidas (para os leigos, parques naturais, reservas naturais, paisagens protegidas, etc.) em Portugal. Como o tema é relativamente original e as fontes escritas são escassas, a solução que encontrei foi entrevistar alguns dos protagonistas desta História. E isto foi realmente interessante. Sob o pretexto de lhes perguntar sobre a história destas Áreas Protegidas, das ideias que precederam a sua criação e do modo como eram geridas, conseguia vislumbrar a pessoa, a sua história pessoal, as suas lutas, as suas vitórias, as suas derrotas. E apanhei de tudo: o egocêntrico ambicioso e quezilento, o líder carismático que continua a ter força, o conciliador bondoso que sempre foi considerado demasiado brando, a mulher amarga que se fartou das críticas constantes e bateu com a porta, o idealista visionário que fez imenso, mas que se desiludiu pelo tempo que as coisas demoraram a acontecer. Todos eles me passaram essa energia que trazem consigo e, através deles, parece que vivi um pouco da sua história. E apesar de ter truncado o que havia de mais pessoal nesses anos das suas vidas para me centrar apenas em acontecimentos concretos, ainda trago comigo essas emoções, esse lado humano que também foi parte da História de que andava à procura...

24 julho 2008

A biografia de John Dyke

Poucos conhecem a odisseia de John Dyke, um homem que sofreu a incompreensão de todos até se conseguir afirmar como um dos músicos mais originais do seu tempo. Dyke nasceu num bairro modesto de Londres a 17 de Setembro de 1955 e foi criado apenas pela mãe, uma vez que o pai abandonou a família quando ele tinha apenas seis anos. Um pouco entregue a si mesmo em criança, vagueava muitas vezes pelos teatros do West End, onde fazia amizade com músicos e assistia à socapa aos ensaios de musicais.
Sem dinheiro para comprar um instrumento musical, Dyke tentava fazer música soprando no gargalo de uma velha garrafa, desenvolvendo sozinho uma escala rudimentar descrita pelos seus contemporâneos como “semelhante a uivos de um cão atropelado”. Conta-se que, das primeiras vezes que subiu aos palcos- ainda não tinha catorze anos- e tentou fazer uma demonstração das suas capacidades, o seu som já era apenas sofrível, mas que o público não o levou a sério e o rejeitou de forma bastante cruel. Esta incompreensão também se estendia a outros músicos e professores de música, que o aconselhavam a arranjar um instrumento ou a aprender a cantar, uma vez que soprar num gargalo de uma garrafa não era considerada uma forma de fazer música própria para palcos.
Dyke passou os seus primeiros anos de vida adulta a trabalhar de dia como condutor de autocarro e de noite como músico. Quer dizer, de noite, sentava-se na varanda do seu pequeno apartamento e soprava no gargalo da sua garrafa, enquanto sonhava com uma actuação num dos grandes palcos de Londres. Isto quando a vizinha de baixo não se lembrava de dar com o cabo da vassoura no tecto até ele parar de tocar. Nessas noites, limitava-se a estudar os pesados manuais de música que requisitava na biblioteca municipal. O condutor de autocarro-músico continuou a aumentar a sua perícia no gargalo, até que se tornou suficientemente bom para ser convidado a fazer um anúncio televisivo a refrigerantes. Tornou-se, assim, uma espécie de celebridade local, passando também a fazer pequenas aparições em festivais de música. Só que Dyke não gostava do modo como era tratado nestes eventos, sempre com o estatuto de “curiosidade” ao qual não se dispensa mais do que dez minutos de atenção. Por isso, resolveu compor a sua própria música, gravou-a num estúdio improvisado que montou em casa (aproveitando o período de férias da vizinha de baixo) e levou-a a todas as editoras que existiam na cidade, que rejeitaram os seus planos sem sequer hesitar.
O tempo passou, Dyke casou com uma mulher que trabalhava no supermercado onde costumava fazer compras, teve dois filhos, e a música teve de ficar de lado. Uns anos mais tarde, um antropólogo convidou-o a participar num CD que tinha o título auspicioso de “Weird music”. E foi assim que um dos seus temas foi finalmente editado e se descobriu acidentalmente que a música de Dyke repelia tubarões, cangurus e cães com cio, o que fez com que a sua música ficasse conhecida a nível mundial e passasse a figurar nos anais da história da música como “um dos sons mais originais e com maior aplicabilidade para repelir animais do século XX”...

19 julho 2008

Leituras em tempos de crise

Nestes tempos de crise, em que não tenho dinheiro para nada, refugio-me nos livros como forma de entretenimento. Basta pesquisar na minha pequena biblioteca, para descobrir livros interessantes que ainda não me tinha ocorrido ler. E foi assim que descobri o grande livro "As viagens de Gulliver" de Jonathan Swift, alguns belíssimos romances do Camilo Castelo Branco, um pequeno livro do Joseph Conrad ("A linha de sombra") e um Corto Maltese que me tinha escapado. E como há mais uma dezena de livros em lista de espera para serem lidos, a crise pode continuar, que eu estou bem...

Bebé todo-o-terreno

A semana passada, estive numa festa de anos em casa de uma amiga, onde estava uma menina de catorze meses que se fartava de cair sob os olhares complacentes dos pais. Ela caía, a mãe dizia "Vá, levanta-te!" não se mexendo um milímetro para a ajudar, e a miúda lá se levantava com esforço e continuava o seu périplo pelo jardim. Ao princípio, achei aquilo um pouco estranho, arrepiando-me de cada vez que aqueles pequenos joelhos iam ao chão, mas depois percebi a ideia. Realmente, aprendemos mais quando nos desenrascamos sozinhos, e porque não começar em tenra idade? Portanto, contrariando o meu instinto protector que inclui até o matulão do meu irmão mais novo, gostaria de adoptar esta táctica, se a vida resolver dar-me essa oportunidade...

14 julho 2008

Flight Of The Conchords - The Humans Are Dead

Manifestação dos banqueiros

Sentindo que estavam a ficar àparte dos problemas que afectam o país, os presidentes e vice-presidentes dos maiores bancos portugueses resolveram manifestar-se esta manhã em frente a Assembleia da República contra os seus lucros chorudos. "É vergonhoso que o Estado não controle melhor os nossos lucros e permita que exploremos a grande percentagem de cidadãos que contraem empréstimos", afirmou Ricardo Salgado, vice-presidente do Banco Espírito Santo. Depois de uma marcha lenta pelas ruas de Lisboa nos seus carros topo de gama, os manifestantes ainda tiveram tempo para o acto simbólico de deitar fora centenas de milhares de euros à porta da sede do Banco de Portugal. Amanhã, será a vez das empresas de combustíveis se manifestarem por estarem a contribuir para o empobrecimento dos portugueses.

10 julho 2008

Reunião dos G8

Segundo a edição do Diário de Notícias de hoje, um dos jantares em que os G8 participaram durante a sua cimeira sobre a fome tinha uma ementa de luxo composta por 24 pratos e terá custado a módica quantia de 300 euros por pessoa. Alguns dos participantes nas reuniões sobre as questões alimentares, como sejam os representantes da Etiópia, Tanzânia ou Senegal, não foram convidados para este jantar. Eis um excerto da reunião da manhã do dia seguinte:

Bush: Eu já vos disse que, para mim, não existe fome no Mundo. Talvez haja um bocadinho naqueles dois países muito bonitos onde há elefantes e rinocerontes, a África do Norte e a África do Sul.

Berlusconi: Então e aqueles relatórios da FAO e da WHO?

Bush: Falsificar relatórios também eu sei, ou já não se lembram da história existência de armas de destruição maciça no Iraque?

Fukuda: E aqueles relatórios que dizem que os barcos japoneses capturam baleias para comer também são falsos. Nós só capturamos baleias para fazer investigação científica.

Berlusconi: Exacto... Investigação científica sobre qual a melhor maneira de cozinhar carne de baleia!

(Membros do G8 riem-se)

Merkel: Meus senhores, vamos voltar ao tema da fome, por favor!

Harper: Por falar em fome, não se arranja aí nada para petiscar? Não tive tempo para tomar o pequeno-almoço, tenho o estômago a dar horas... Pode ser um bocadinho daquele caviar que sobrou do jantar de ontem...

Brown: Fala baixo, que estão aí os Africanos...

Harper: Então, tragam-me uma peça de fruta, que isso não escandaliza ninguém. Qualquer coisa que tape este buraco, porque falar de fome no Mundo sem ter o estômago bem acondicionado é deprimente.

Secretário: Eu vou tratar disso!

Sarkozy: Porque é que não falamos do petróleo? É que ainda estou enjoado do jantar... Aliás, devo dizer-vos que foi a última vez que participei naquela brincadeira de Romanos de vomitar para poder voltar a comer.

Merkel: Temos de continuar com o tema da fome no Mundo, não podemos estar constantemente a adiá-lo! O que é que pensam que devemos fazer?

Bush: Eu acho que devíamos mandar umas pizas e uns hambúrgueres para a África, tanto para a do Norte como para a do Sul.

Berlusconi: Eu gostava de vos dizer que, melhor do que fazer um festim durante uma cimeira sobre a fome, seria fazê-lo numa redoma de vidro inquebrável num sítio onde as pessoas morram à fome. Havia de ser giro, vê-los a babarem-se todos enquanto jantamos. E podíamos dizer que era uma campanha para chamar atenção sobre o problema.

Bush: Mas qual sítio onde as pessoas morrem à fome? Qual sítio?

Fukuda: Então e se fizessemos um banquete no Espaço?

Sarkozy: No Espaço, era fixe. Mas depois, iam começar a dizer que uma viagem ao Espaço é muito cara, que só sabemos é gastar dinheiro...

(Chegam terrinas com fruta à mesa de reuniões; Harper pega numa maçã e dá uma trinca)

Harper: Finalmente! Agora, percebo melhor isto da fome!

(Bush pega em maçãs e laranjas e atira-as a Sarkozy e a Berlusconi, que se escondem)

Bush: Guerra de fruta! América e Inglaterra contra o resto do Mundo!

08 julho 2008

As Ilhas Selvagens

Enquanto investigava a história das Áreas Protegidas na Madeira, encontrei um artigo (Carvalho & Leitão, 2005) que relata os conflitos entre Portugal e Espanha em relação à soberania das Ilhas Selvagens, de onde se destacam os excertos:

“A questão deste grupo insular e da sua soberania ganham destaque quando são conhecidas as pretensões espanholas e todo o tipo de estratagemas para reverter uma parte substancial da Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa para parte espanhola. Por um lado, as ilhas em causa ficam mais próximas das Canárias, pelo que se entende que faria mais sentido que estas pertencessem também à parte espanhola. Pelo outro, dado que não é já possível reclamar soberania espanhola, a Espanha procurou alterar o estatuto das Selvagens para rochedos, em vez de ilhas. Os rochedos não têm ZEE pelo que a mediana da ZEE passaria a ser traçada entre as Canárias e a Madeira, ficando as Selvagens completamente dentro da ZEE espanhola (apenas as águas territoriais em torno de cada rochedo seriam portuguesas). Em todo o caso, mesmo que a tese do rochedo fosse defendida pela Espanha, o nº 3 do artigo 121 da Convenção do Direito do Mar diz que "os rochedos que, por si próprios, não se prestam à habitação humana ou a vida económica não devem ter Zona Económica Exclusiva (...)". Porém, as Selvagens são habitadas permanentemente e têm uma casa que até paga contribuição autárquica na freguesia da Sé, no Funchal. Quanto à vida económica, apesar de não existir, as ilhas prestam-se a isso como já se prestaram no passado. A este respeito, o perito do Conselho Europeu, Sr. Francis Roux, afirma que “defende que as Selvagens permaneçam com o estatuto de ilha em vez de serem classificadas como rochedos” (in Jornal Público 26/3/1997). A problemática surge quando as ilhas foram transformadas em reserva natural, estatuto este incompatível com a exploração dos seus recursos e, consequentemente, com a sua “habitação”. É neste “xadrez” complicado que se encontram as ilhas Selvagens, daí a urgência de fazer uma monitorização permanente sobre este pequeno arquipélago. Vários episódios relatam a captura de diversas embarcações de pesca espanhola que desenvolviam a actividade piscatória ilegal na ZEE portuguesa.”
Quadro 3 – Principais ocorrências nas ilhas Selvagens
1911
Em Setembro, o governo português recebeu uma nota comunicando que o governo espanhol ia montar nas ilhas Selvagens um farol (...) e que deliberara incorporar as Selvagens no arquipélago das Canárias. A administração nacional protestou e foi acordado não praticar quaisquer actos que pudessem prejudicar a solução amigável da questão.
1938
Atestada a soberania portuguesa das ilhas pela Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional.
1971
Petroleiro “Cerno”, com bandeira norueguesa, desviou-se para ilegalmente lavar os seus tanques. Encalhou na Selvagem Pequena. Três meses depois o petroleiro “Morning Breeze” afunda-se próximo da Selvagem Grande.
1972
Apreensão de duas embarcações de pesca espanhola, “San Pedro de Abona” e “Áries”.
1973
Naufrágio do navio "Splendid Breeze".
1975
Aproveitando a turbulência politica em Portugal, espanhóis das Canárias desembarcam na Selvagem Grande e hasteiam bandeira espanhola.
1976
Apreendida, a embarcação espanhola “Ecce Homo Divino”. Naufrágio de um iate ("Demeter").
1978
Apresados, também por pesca ilegal, barcos de frota espanhola.
1981
Apreendida a embarcação de pesca “Marijean”, com 600 kg de peixe a bordo.
1996
Puma AS-330 da força aérea espanhola aterra na Selvagem Grande, cometendo assim uma dupla infracção, dado que violou o espaço aéreo português, como também sobrevoou, a menos de 200 metros, uma Reserva Natural.
1997
Voos rasantes de aviões militares espanhóis implicam a chamada do embaixador Raul Morodo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
2005
Um vigilante e um biólogo da reserva natural das ilhas Selvagens são ameaçados e perseguidos por pescadores furtivos espanhóis. Barco atuneiro “Mont Arballu”, com cerca de 2 toneladas de atum é capturado."