30 junho 2008

A barragem do rio Sabor

Não percebo como é que se pode classificar uma área pelo seu património natural, para uns anos depois aparecer um governo que dá o aval à sua destruição parcial. Se estão planeadas outras nove barragens para Trás-os-Montes, porque é que não constroem apenas onde é permitido e deixam o rio Sabor em paz? Será que só vamos dar valor ao nosso mundo natural quando ele já não existir?

27 junho 2008

Este mundo de que vos quero agora falar...

... é muito parecido com o nosso, à excepção de apenas um detalhe: todo o transporte terrestre se faz em veículos que circulam sobre carris, desde os grandes transportes colectivos parecidos com os nossos comboios, até aos minúsculos transportes individuais de duas pessoas, dos quais o ponto de referência mais próximo são os eléctricos da nossa cidade. Naquela terra estranha, existem carris a perder de vista, com milhares de intersecções que vão dar a todos os destinos, e em cima destes circulam também os mais inverosímeis dos veículos: ambulâncias, carros de bombeiros, misturadoras de cimento, etc. Por exemplo, os agricultores que queriam utilizar uma debulhadora mecanizada para colher os seus cereais, instalam linhas de carris nos seus campos agrícolas como se fosse a coisa mais natural do mundo, não concebendo sequer a ideia de utilizar um veículo com rodas que pudesse andar sem carris. Mais surpreendente do que isto foi assistir a uma perseguição a alta velocidade entre um pequeno eléctrico da polícia e outro pequeno eléctrico de ladrões que tinham assaltado um banco...

Depois de alguns meses neste mundo, fui falar com um inventor que seguiu as minhas sugestões e criou uma espécie de triciclo rudimentar, que se movia a pedais e sem assentar em carris. Todos vieram ver este invento revolucionário, havendo desde logo numerosos detractores que acharam que não era possível ou sequer desejável que um meio de transporte não utilizasse carris. O inventor repetia incansavelmente as vantagens de uma locomoção livre e em breve passou a demonstrá-las na prática, circulando no seu triciclo pelas ruas mais movimentadas da sua cidade. Numa inesperada reviravolta do destino, o inventor foi violentamente atropelado por um comboio de cinquenta passageiros, morrendo instantaneamente. A partir daí, todos os habitantes ficaram convencidos que este tipo de transporte era muito perigoso e, portanto, não se voltou a ouvir falar desta invenção. Eu acabei por abandonar aquela terra maldita, com uma inevitável sensação de culpa pela morte do inventor. Quando se dissipou o peso daquela tragédia, imaginava muitas vezes o que teria acontecido se aquilo não tivesse acontecido e como a evolução da história dos transportes de um mundo pode estar tão dependente de um acidente, mas a verdade é que a vida, tal como a conhecemos, não é mais do que um conjunto de acasos...

22 junho 2008

Desmontando o conhecimento (2)

Mãe: Miguel, faz a tua cama, por favor!
Miguel: Mãe, aprendi ontem que, de acordo com a segunda lei da termodinâmica, o Universo tende para o Caos. Por isso, decidi que não vale a pena investir tempo e energia a tentar contrariá-la em coisas que não sejam importantes para a minha sobrevivência. Se a cama tende a estar desfeita, é deixá-la assim.

Mãe: Mas hoje vamos ter visitas!

Miguel: (...) OK, eu já faço.

19 junho 2008

Conversa com extraterrestre (2)

Cientista: Da outra vez, fiquei com a ideia de que já tinha ouvido falar do planeta Terra...

Extraterrestre: Sim... E sobre os humanos, também sei umas coisas...

Cientista: Então, pode dizer-me quais são as maiores diferenças entre a sua espécie e a minha?

Extraterrestre: Nós somos muito parecidos convosco. Também temos uma cabeça, quatro patas e usamos ferramentas. A grande diferença é que nós caminhamos erectos e apenas sobre duas patas.

Cientista: E nós também!

Extraterrestre: Mas no documentário que eu vi, vocês caminhavam sobre quatro patas... Se calhar, era um documentário antigo...

Cientista: Há quanto tempo é que viu esse documentário?

Extraterrestre: Há uns dois milhões de anos.

Cientista: Pois, essa informação está desactualizada. Nós evoluímos muito nos últimos dois milhões de anos e já andamos erectos sobre duas patas.

Extraterrestre: Óptimo, parabéns! E já conseguem viajar entre Sistemas Solares?

Cientista: Ainda não...

Extraterrestre: Então, não evoluíram assim tanto... Quando nós formos aí, eu levo uns livros a explicar como é que isso se faz, combinado?

Cientista: Combinado! E talvez nós vos possamos ajudar com alguma coisa...

Êxtraterrestre: Duvido...

Cientista: Há algum problema que ainda ninguém tenha conseguido resolver?

Extraterrestre: Sim, há um que nos chateia muito. Sempre que queremos ver a nossa cara, temos de usar uma bacia com água.

Cientista: Quer dizer que ainda ninguém inventou espelhos? Um objecto sólido que reflecte a imagem?

Extraterrestre: Não, nós só conhecemos a água. Mas isso dos espelhos interessa-me. Como é que se faz um espelho?

Cientista: (a gozar) Quando vocês vierem cá, nós damo-vos uns livros a explicar como é que isso se faz, está bem?

Extraterrestre: Está bem. Talvez nós possamos fazer uma visita em breve, deixe lá ver aqui a minha agenda... Tem planos para o primeiro fim-de-semana de Junho de 2067?

Cientista: Não...

Extraterrestre: Então, eu vou falar com o meu marido e, em princípio, aparecemos por aí nessa altura...

Cientista: Pois, mas é que talvez já não esteja vivo.

Extraterrestre: Que maçada... Então, podemos aparecer aí daqui a bocado... Por exemplo, no primeiro fim-de-semana de Junho de 2010?

Cientista: Sim, pode ser.

Extraterrestre: Nós vamos ter ao local de onde está a falar neste momento. Até já.

Cientista: Até já.

Desmontando o conhecimento (1)

Homem: E não te preocupa o que os cientistas dizem sobre o aquecimento global?

Mulher: Não, porque tenho a intuição de que não vai haver problema, de que vamos ser capazes de lidar com isso.

Homem: Intuição? Mas que raio de argumento para não te preocupares!

Mulher: Se não consigo verificar por mim que vamos ter problemas, então prefiro confiar na minha intuição. E, no fundo, tanto eu como os cientistas especulamos, uma vez que ninguém é capaz de prever o futuro... É verdade que eles se baseiam em factos científicos, como a evolução da temperatura ao longo de milhares de anos, mas a questão é que eu também já acertei antes nas minhas intuições. Estamos, portanto, em pé de igualdade...

No Canadá

É véspera do Thanksgiving e, por isso, só consigo alugar uma pick-up Ford monstruosa, que ainda por cima tem umas mudanças esquisitas. Tenho vinte e quatro horas para explorar um pouco do norte da Nova Escócia, porque o dinheiro não dá para mais e porque o voo para Montreal é amanhã ao fim da tarde. Saio de Halifax antes da hora de ponta, fujo aos arredores da cidade e conduzo numa estrada à beira-mar. Que bela paisagem, a floresta boreal com aqueles tons entre o vermelho e o amarelo do lado esquerdo e o mar semeado de dezenas de pequenas ilhas do lado direito. Vou parando pelo caminho, para deixar a paisagem e a luz do entardecer infiltrarem-se em mim, para tirar fotografias, para comer qualquer coisa, peço direcções num lar de terceira idade, onde os idosos metem conversa. Quando anoitece, sigo por estradas secundárias e encontro um lugar para dormir, próximo de uma casa isolada. Vou até lá, assusto inadvertidamente uma senhora que não está à espera de uma visita com sotaque esquisito às dez da noite e que me diz que não há problema de dormir ali. Saio ao nascer do sol, paro para ver uma doninha fedorenta branca e preta, morta na berma da estrada e que está praticamente congelada do frio da noite, visito um local onde desembarcaram centenas de Escoceses para colonizarem aquela área, assisto a um jogo de basebol entre adolescentes, visito o mercado de rua de Truro, onde um rapaz de gorro toca na guitarra algumas músicas que eu também sei tocar, vou até um parque lindíssimo onde casais passeiam os seus filhos. Já passa da hora de almoço, apresso-me no caminho de volta a Halifax, entrego a pick-up no aeroporto, lavo-me e mudo de roupa na casa-de-banho e entro no avião, cansado mas feliz...

17 junho 2008

Conversa com extraterrestre

Um grupo de astrofísicos revelou recentemente a descoberta de três planetas super-Terras que gravitam em torno da estrela HD20307, que se situa a 42 anos-luz da Terra (na realidade, são 42 anos-luz e meio, se optarmos por não atalhar por caminhos manhosos). O que não foi revelado é que os astrofísicos conseguiram conversar várias vezes com um extraterrestre que vive num desses três planetas, sendo que os outros se recusaram a prestar quaisquer declarações. Apresenta-se, em seguida, a primeira dessas conversas.

Cientista: Alô? Está aí alguém?

Extraterrestre: Sim, sim. Faz favor?

Cientista: Olhe, eu sou um cientista do planeta Terra e estou a fazer uma pesquisa sobre....

Extraterrestre: É para comprar alguma coisa? Não leve a mal, mas se soubesse a quantidade de vezes que seres de outros planetas me tentaram impingir coisas...

Cientista: Não, é só para lhe fazer umas perguntinhas....

Extraterrestre: Está bem, mas não demore, que eu tenho de ir fazer o jantar.

Cientista: OK. Em primeiro lugar, vocês já nos visitaram alguma vez?

Extraterrestre: Ainda não. O meu marido trabalha muito e quando chega o fim-de-semana, sabe-lhe bem ficar em casa.

Cientista: Mas têm havido relatos de visitas de discos voadores extraterrestres...

Extraterrestre: Isso deve ser de outro planeta. Pelo menos, acho que, do nosso planeta, ainda não foi aí ninguém. O pessoal queixa-se todo que o planeta Terra fica um bocado fora-de-mão. É que ainda são 42 anos-luz e meio e, ao preço a que está o combustível, fica cara a brincadeira...

Cientista: Nós estamos com o mesmo problema do aumento dos combustíveis.

Extraterrestre: É a cartelização das companhias e os impostos pesados do Estado. Assim, não há extraterrestre que aguente!

Cientista: Então, e como é que vocês vivem por aí?

Extraterrestre: Mal. Está tudo caro, não é só o combustível...

Cientista: Sim, mas o que eu queria saber é onde é que vivem, do que é que se alimentam...

Extraterrestre: Vivemos numa casa de três assoalhadas nos arredores uma cidade e alimentamo-nos do que compramos nos supermercados.
Cientista: Ah, então parece-me que o vosso estilo de vida não é muito diferente do meu... Tem filhos?

Extraterrestre: Sim, tenho trinta e dois filhos, só da ninhada deste ano. Diga-me lá você, como é que eu dou de comer a tanta gente com um ordenado de 800 vilbares por mês?

Cientista: Pois, compreendo...
Extraterrestre: E ainda querem aumentar a prestação da casa! Já viu isto?
Cientista: Realmente, assim é difícil...
Extraterrestre: Olhe, tenho de ir fazer o jantar, senão atraso-me. Depois, falamos noutra altura. Até breve.

Cientista: Adeus e obrigado pelo seu tempo...

O nosso futuro próximo? (2)


Um estudo revelou recentemente que a maioria das crianças tem dificuldade em expressar e interpretar emoções na vida real. Graças à influência de formas de interacção incorpóreas como o messenger, o second life e outros afins, as crianças de hoje preferem comunicar teclando nos seus computadores do que fazê-lo frente-a-frente. Estes resultados preocupam o autor deste estudo, ou pelo menos, foi o que eu interpretei do emoticon dúbio que ele me enviava no fim do seu email.

11 junho 2008

O nosso futuro próximo?

08 junho 2008

Excertos do livro" O Grande Branco", por Luís Calçudo

“(...) E depois, a luz do sol alterou-se, ficou tudo branco-amarelado e branco-amarelado era a única cor que existia. Nesses primeiros tempos, era difícil distinguir objectos e às vezes chocávamos contra as paredes e uns com os outros. Passadas algumas semanas, aprendemos a distinguir as diferentes tonalidades entre o branco e o amarelo e a nossa vida tornou-se mais fácil. Só que o Mundo transformou-se numa autêntica torre de Babel, porque haviam nomes infinitos para cada uma dessas diferentes tonalidades. E por isso, os Governos implementaram nomes oficiais para esses tons, que todos tinham de usar para evitar mal-entendidos. (...) Esta grande mudança foi acompanhada de outras que pareciam de menor importância, mas que afectaram as nossas vidas de modo profundo. Quando estudei biologia, aprendi que a Natureza é diversa e que nós, que somos parte da Natureza, geralmente apreciamos a diversidade. É por isso que viajamos para outros locais, que gostamos de oásis para quebrar a monotonia dos desertos, que vamos a restaurantes experimentar ementas que não conhecemos. (...) Depois do Grande Branco, foi como se a modificação da luz ditasse uma redução de toda a diversidade. Talvez as plantas fizessem a fotossíntese de maneira mais limitada e isso alterasse tudo o resto, não sei. Aliás, a comida deixou de ter os diferentes sabores que eu conhecia. Alguns vegetais passaram a ter sabores semelhantes e tornou-se difícil distinguir os diferentes tipos de carne e peixe. Os sons também passaram a ser mais iguais. (...) Os músicos chegaram à conclusão que todos os sons existentes estavam entre Lá e Dó sustenido e que todo o intervalo de notas entre Ré e Sol Sustenido tinha desaparecido. (...) Na nova escala musical, que foi criada para obviar o problema de redução de notas, o intervalo mais pequeno foi reduzido de meio tom para um quarto de tom, passando a haver meios sustenidos e meios bemóis. Depois de nos habituarmos a distinguir os quartos de tom, que davam um travo Oriental à música que ouvíamos, ficámos com a ilusão de que a nova escala era tão diversa como a antiga, apesar de sabermos que não era assim. (...) As novas gerações, que nunca conheceram outra realidade, têm dificuldades em perceber-nos quando falamos da riqueza do Mundo Antigo. (...) Para eles, o azul é o branco-azulado e presumo que daqui a algumas gerações, apenas os historiadores saibam que outrora existiu um Mundo mais diverso que se extinguiu, como os dinossauros na Pré-História. (...) Às vezes, pergunto-me se isto não terá acontecido antes, se o azul que conheci e de que tenho tantas saudades não seria já um branco-azulado dos meus antepassados (...).

Outra proposta

Apesar de ser um bicho de hábitos diurnos (geralmente, deito-me por volta das 2130h, depois de beber um copo de leite morno), ontem fui arrastado por uns amigos para um concerto de jazz que começou por volta das 24h no Braço de Prata, em Lisboa. Gostei muito de conhecer aquele prédio velhote com uma grande esplanada, que será convertido noutra coisa qualquer, num futuro incerto, pela Câmara Municipal de Lisboa. Enquanto isso não acontece, o Braço de Prata alberga uma livraria, um bar, exposições de fotografia e pintura, uma loja de roupa e pequenos concertos de vários géneros, a acontecerem simultaneamente em salas diferentes.

Depois desta noite, tive a ideia de que as Câmaras Municipais poderiam oferecer aos seus munícipes a hipótese de criarem e experimentarem em edifícios prestes a serem demolidos. Por exemplo, estes espaços poderiam ser pintados, decorados, enfeitados, servir de áreas de palestras, de experiências, de representação, de música, de dança, etc. Funcionariam, assim, como uma espécie de recreio para adultos, para que todos se pudessem expressar, se assim o desejassem. Como fazem algumas tribos primitivas em volta da fogueira nas noites de solstício...

07 junho 2008

Serra do Caldeirão (3)

Serra do Caldeirão (2)

São Marcos da Serra, Serra do Caldeirão

01 junho 2008

“Doenças dos suínos”, o livro de poesia

Hermano Borboleta (Veterinário, poeta) é já um nome de referência no panorama literário português. No seu novo livro “Doenças dos suínos”, o autor desafia as fronteiras entre a medicina veterinária e a poesia, criando poemas didácticos e inovadores. Aqui fica o primeiro poema do livro:

Febre Aftosa

Quando chegaste tu, doença aguda e contagiosa
Abriu-se a noite na suinicultura
E para o som dos teus passos conhecer
Pus-me à procura de sinais de febre e erupções vesiculares

Encontrei-te, enfim, entre meia dúzia de leitões
Em plena noite, estabeleci uma quarentena,
O que viria depois? Um abismo? Um castigo?

Implementei um programa de vacinação de emergência
A interdição de acesso à propriedade, a desinfecção das pocilgas
E o sol pôde nascer de novo!

Proposta

Não tenho nada contra o Colégio Militar ou os Pupilos do Exército, mas acho injusto que só os militares tenham direito a este tipo de ensino diferenciado. Por exemplo, porque não se cria o "Colégio dos Trabalhadores das Obras" e os "Pupilos dos Trolhas", para que os filhos destes profissionais possam aprender desde terna idade a dizer piropos porcos, a negligenciarem a sua higiene pessoal e a emborcarem minis e sandes de coiratos como se não houvesse amanhã?